domingo, 18 de março de 2007

CORAÇÃO OU MENTE, DOUTOR?

Ele dançou no meio da enfermaria da turma aprisionada por problemas que compete à Neurociência diagnosticar. Era a primeira reportagem de um tal jornalista chamado GM., pego de surpresa pelos destinos que a vida toma no meio de ala de pacientes psiquiátricos. A cena lembra visão. De um lado, um homem com pernas atrofiadas; quando as enfermeiras foram dar banho neste homem, ele usou o pênis como instrumento de retórica sarcástica: "vejam só, isso aqui é rock, voces têm que sacar de rock". Do outro lado, um homem que gemia dia e noite. Durantes os plantões, as enfermeiras comentavam sobre seus namoros, davam risadas típicas de mulheres que estão amando apaixonadamente. Os estudantes de medicina usavam o velho clichê para convencer pacientes a permanecerem quietos e passivos: "estamos aqui para lutar pela sua vida, amigo!". Talvez o adjetivo "paciente" tenha significado mórbido: são corpos utilizados pelo progresso da ciência, revertido tempos depois em benefício de quem tem capital para ter acesso aos avanços conquistados. Ou melhor, expropriados. É melhor deixar as rusgas de lado, não quero ser confundido com o Sérgio Bianchi, diretor do filme "Crônicamente Inviável". Afirmo que somos seres crônicos. E me recuso a escrever sob a revolta metafísica de Machado Assis, não possuo respostas sobre o mistério de estarmos aqui nesse mundo, na família e cidade em que fomos jogados. Mas Machado está absolutamente correto. Interromper o percurso da natureza, negando-lhe a procriação nos levaria aos antros de um Nada a que chegamos todos os dias.Mas ele dançou. Os palhaços conseguiram arrancar sorrisos de gente que geme sob a égide da dor absoluta. Mas ele levantou-se do leito, abraçou uma atriz clown(palhaça) e a rodopiou no meio da enfermaria. Os atores que compunham a troupe ficaram estáticos. "Apenas fiquei feliz, voces fizeram aquele meu amigo ali, aquele ali, chorar de rir; olhem, ele adormeceu". Mas esse paciente tinha na sua mesinha ao lado dois livros: um sobre Backunim e outro do próprio Sartre. Tratava bem a todos. Mas não soube suportar a fragilidade da Ciência. Preferiu ir embora. À noite, silenciosamente. Como que no nada. Como que aqueles sujeitos que desaparecem no escuro, caminhando lentamente numa rua escura. Um paciente ouviu tres frases dele: "Deus Morreu"; "A Ciência é Nada"; "Não sou Palhaço". Na calada da noite. Deixou um bilhete: Não sei se vocês sabem, mas fui internado no HC, aqui da Unicamp. Transplante no Coração. Meu coração sofria, disse ao médico que os dois átrios e os dois ventrículos não me bastavam. O doutor prometeu colocar um coração novo, meio estranho, confesso, mas enfim um coração virgem. O coração era vazio, todo vermelho, com aqueles músculos imponentes, seu escarlate, com sua magnitude, porém... vazio. Doutor, meu coração antigo sofria por não suportar tamanhos sentimentos: amores e angústias em apenas 4 pequeninos compartimentos. E você me dará um vazio, será que vai resolver? O “Deus Branco” me olhou pedantemente e acrescentou: “meu pobre amigo, o amor está no cérebro, não no coração”. Minha reação foi rápida, a pressão caiu e num torpor prostrei lívido diante do homem.Refleti e tentei encontrar ligações nas coisas:1) Será o amor racional? Cinzento, complexo, mole, pouco conhecido? 2) Podia o mascarado estar me sacaneando? 3) E por que então do coração vazio? Depois de muito filosofar agi . Matei o médico e obriguei um outro a fazer o transplante do meu coração e arrancar meu cérebro. (Geraldo Magela)

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