quarta-feira, 21 de março de 2007
Antropofágica
Tenho ânsia por
carne quase crua,
quente, sangrenta...
Em tresloucada antropofagia
engulo-me vermelha para
ter-me somente como
fogo adocicado.
E assim permaneço:
vivíssima, imoral
sedenta e,
às vezes, letal!
Patrícia Gomes
Imagem: Angélica
domingo, 18 de março de 2007
CORAÇÃO OU MENTE, DOUTOR?
Ele dançou no meio da enfermaria da turma aprisionada por problemas que compete à Neurociência diagnosticar. Era a primeira reportagem de um tal jornalista chamado GM., pego de surpresa pelos destinos que a vida toma no meio de ala de pacientes psiquiátricos. A cena lembra visão. De um lado, um homem com pernas atrofiadas; quando as enfermeiras foram dar banho neste homem, ele usou o pênis como instrumento de retórica sarcástica: "vejam só, isso aqui é rock, voces têm que sacar de rock". Do outro lado, um homem que gemia dia e noite. Durantes os plantões, as enfermeiras comentavam sobre seus namoros, davam risadas típicas de mulheres que estão amando apaixonadamente. Os estudantes de medicina usavam o velho clichê para convencer pacientes a permanecerem quietos e passivos: "estamos aqui para lutar pela sua vida, amigo!". Talvez o adjetivo "paciente" tenha significado mórbido: são corpos utilizados pelo progresso da ciência, revertido tempos depois em benefício de quem tem capital para ter acesso aos avanços conquistados. Ou melhor, expropriados. É melhor deixar as rusgas de lado, não quero ser confundido com o Sérgio Bianchi, diretor do filme "Crônicamente Inviável". Afirmo que somos seres crônicos. E me recuso a escrever sob a revolta metafísica de Machado Assis, não possuo respostas sobre o mistério de estarmos aqui nesse mundo, na família e cidade em que fomos jogados. Mas Machado está absolutamente correto. Interromper o percurso da natureza, negando-lhe a procriação nos levaria aos antros de um Nada a que chegamos todos os dias.Mas ele dançou. Os palhaços conseguiram arrancar sorrisos de gente que geme sob a égide da dor absoluta. Mas ele levantou-se do leito, abraçou uma atriz clown(palhaça) e a rodopiou no meio da enfermaria. Os atores que compunham a troupe ficaram estáticos. "Apenas fiquei feliz, voces fizeram aquele meu amigo ali, aquele ali, chorar de rir; olhem, ele adormeceu". Mas esse paciente tinha na sua mesinha ao lado dois livros: um sobre Backunim e outro do próprio Sartre. Tratava bem a todos. Mas não soube suportar a fragilidade da Ciência. Preferiu ir embora. À noite, silenciosamente. Como que no nada. Como que aqueles sujeitos que desaparecem no escuro, caminhando lentamente numa rua escura. Um paciente ouviu tres frases dele: "Deus Morreu"; "A Ciência é Nada"; "Não sou Palhaço". Na calada da noite. Deixou um bilhete: Não sei se vocês sabem, mas fui internado no HC, aqui da Unicamp. Transplante no Coração. Meu coração sofria, disse ao médico que os dois átrios e os dois ventrículos não me bastavam. O doutor prometeu colocar um coração novo, meio estranho, confesso, mas enfim um coração virgem. O coração era vazio, todo vermelho, com aqueles músculos imponentes, seu escarlate, com sua magnitude, porém... vazio. Doutor, meu coração antigo sofria por não suportar tamanhos sentimentos: amores e angústias em apenas 4 pequeninos compartimentos. E você me dará um vazio, será que vai resolver? O “Deus Branco” me olhou pedantemente e acrescentou: “meu pobre amigo, o amor está no cérebro, não no coração”. Minha reação foi rápida, a pressão caiu e num torpor prostrei lívido diante do homem.Refleti e tentei encontrar ligações nas coisas:1) Será o amor racional? Cinzento, complexo, mole, pouco conhecido? 2) Podia o mascarado estar me sacaneando? 3) E por que então do coração vazio? Depois de muito filosofar agi . Matei o médico e obriguei um outro a fazer o transplante do meu coração e arrancar meu cérebro. (Geraldo Magela)
sábado, 17 de março de 2007
Quintana, Tori, perto da quitanda...
Leio Quintana, no café da esquina Bem perto da quitanda, onde mulheres
Uniformizadas traçam sua rotina
Cuidando da casa, falando das receitas
Caseiras pra curar dores dos filhos
Vão seguindo pensando na próxima consulta
Com o bom médico que chegou na cidade
Parecem-me seres em extinção
Olhares que há muito se mostram
Cansados desse dia a dia
De movimentos pendulares
Do que mais parece um
Eterno retorno.
Mas vejo que imersas estão
No conhecido cotidiano que
Acreditam não seriam felizes de outra forma.
Ouço Tori Amos, no player portátil
E fico observando os passos apressados
Que tentam fugir da chuva inesperada...
A chuva desaba com força e com o
Inverno em cada uma das gostas, e eu
Acompanhada de Quintana e Tori, saio
Ainda olhando para a quitanda
Dançando na chuva que me banha...
Imagem: Aleksandra
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